Hoje celebra-se a Liberdade e isso fez-me refletir um pouco sobre a educação das crianças e sobre a forma como os pais (e a sociedade em geral) se relacionavam com os seus filhos antes de 1974. Em muitos casos, arriscaria dizer que “não se relacionavam”… E se é certo que evoluímos desde aí, também é verdade que passado meio século ainda há muito a fazer no que toca à forma como a sociedade vê uma criança e à forma como os pais exercem a sua parentalidade. Ora vejamos:
Para muitos, a criança ainda é um ser inferior, sem quereres (sim, eu ainda oiço isto!). Para eles, o dever dos pais e da sociedade é de moldar a criança e fazê-la entender que tem de respeitar as ordens que lhe são impostas (não vá ela se tornar uma selvagem!). Quando isso não acontece, é ameaçada, castigada e, se for preciso, leva com bofetadas, palmadas (e não me atrevo a dizer mais!).
Quando chora é-lhe dito para se calar, quando berra é-lhe dito que vai levar, quando se queixa é-lhe dito que está a inventar, quando tem medo é-lhe dito que não há razão para tal, e por aí fora… São educadas para silenciar as suas emoções. Para essas pessoas, a criança tem de aceitar que são os adultos que têm razão e mais poder para mandar nelas, e que por isso só lhes resta obedecer, não questionar, não se opor, não desafiar! Se isto acontecer, vão parar ao psicólogo (e que bom!) não para aprenderem a ter relações mais positivas com os filhos (porque isso dá muito trabalho aos pais), mas para que alguém consiga “meter na cabeça” dos filhos que é importante obedecer. Como estas crianças devem desejar ser crescidas para finalmente poder “mandar”!
Há critérios na sociedade que definem os bons e maus menin@s, por isso convém que os filhos encaixem nos critérios de bons meninos para que os pais se sintam também bons pais. Fazem tudo por eles mas depois chamam-lhes de irresponsáveis. Quando têm audiência, preocupam-se em mostrar que sabem educar (ignoram a criança, dão-lhe uma palmada, fazem ameaças sobre o que vai acontecer a seguir, insistem em dizer que “não” em tom autoritário que muitas vezes só reforça a birra daquela criança, etc).
“Não existe um comportamento certo ou errado. O que importa é escolhermos entre o medo e o amor.” (G.Lampolsky)
E essas pessoas (e ainda bem que não são todas!) são aquelas que não vivem em verdade, em autenticidade, em congruência com o que o seu coração lhes diz. Se é que param para ouvir o seu coração. Vivem em piloto automático e muitas vezes com recursos físicos e emocionais indisponíveis para tomar consciência do que é realmente importante. E não são livres. E não estão a educar para a liberdade.
Vivemos numa época de liberdade? Sim, vivemos. Mas exercemos essa liberdade? Assumimos ser quem somos e quem queremos ser? Educamos para essa liberdade? Aplicamos a velha máxima “liberdade gera mais responsabilidade”? Assumimos responsabilidade por essa liberdade? Ou é tudo treta?
Mas então afinal o que é Educar para a Liberdade?
É em primeiro lugar, tomar consciência que uma criança tem uma identidade própria, tem quereres, necessidades, emoções e limites! Que o nosso papel enquanto sociedade, pais e educadores não é “mandar”, “moldar” ou “impor”. O nosso papel é guiar, orientar, dar o exemplo, respeitar, deixar voar e responsabilizar. O nosso foco não é “o comportamento”, mas sim “a relação”. A nossa intenção não é a “obediência” mas sim a “cooperação”, a nossa missão não é que “encaixe” no protótipo de bom/boa menin@, mas é que desenvolva uma auto-estima saudável. E para que isto aconteça, a criança deve sentir que é LIVRE para:
- Expressar as suas opiniões, necessidades e emoções e sentir que são levadas a sério e respeitadas (“posso dizer que não”, “posso chorar/ter medo/estar zangado ou discordar”, “posso ser diferente”);
- Expressar os seus limites e necessidades e que isso dê origem a uma conversa, um diálogo onde o adulto é respeitoso e onde em conjunto encontram formas de satisfazer essas mesmas necessidades (atenção! falei de “necessidades” e não de “desejos”);
- Mostrar-se tal como é, com os seus medos e imperfeições construindo a sua auto-estima passo a passo com um profundo sentimento de merecimento (“mereço ser amado tal como sou”, “sou suficiente tal como sou”);
- Assumir a responsabilidade pessoal pelas suas opiniões, necessidades e escolhas comunicando-as sem medo, e assumindo as consequências. Às vezes dói mas faz parte da liberdade!
Felizmente tenho tido a sorte de conhecer cada vez mais pessoas que vivem em liberdade, em autenticidade, sem medo de expor as suas opiniões, de marcar a diferença no seu mundo, de contribuir para o crescimento e evolução da humanidade. Pessoas que assumem a responsabilidade pela mudança na educação e que contribuem para a verdadeira liberdade das crianças. Liberdade, pessoal, liberdade!! VIVA!!!
“Olha para dentro de ti. És mais do que aquilo em que te tornaste. Assume o teu papel no círculo da vida.” (O Rei Leão)
Se este texto te faz sentido…Se ressoou em ti, no teu coração…Se contribuiu para o despertar da tua consciência…Se achares que é útil para outras pessoas…Então, sente-te livre para o partilhar!
Obrigada!
Zulima
Em primeiro lugar, obrigada por mais este texto e pela possibilidade dele ser um motor de reflexão para todos nós. Em segundo lugar, considero a questão que dá o mote a este texto muito atual e verdadeiramente central para os dias de hoje.
É efetivamente verdade que muitos pais estão sempre prestes a castrar essa tal liberdade que todas as crianças têm direito a ter. Um direito inquestionável!
No entanto, penso que muitos pais não sabem lidar com as emoções dos seus filhos pelo simples facto de não saberem lidar com as suas próprias emoções. Não me parece de todo errado considerarmos que as crianças são o espelho dos seus educadores por isso torna-se necessário “ensinar a ser pai e mãe”. Sim, acredito que isso também se ensina.
Vejo no teu texto uma descrição de comportamentos parentais que primam pela inflexibilidade, pelo desrespeito pela criança e por uma vontade enorme de levar as vontades dos adultos adiante sem sequer se questionar aquilo que a criança quer/precisa. Quando tal acontece estamos perante pais que acham que o seu direito de pais se sobrepõem a tudo e a todos. Tal não pode estar certo e deve ser apontado como um comportamento errado e irresponsável. Na verdade, tal cenário acontecia tremendamente se recuarmos ao tempo dos nossos pais e avós. Os maus tratos (nas suas mais variadas formas) eram uma consequência natural e infelizmente ser pai ou mãe era sinónimo de imperar através do medo. Ouço muitas vezes, como também já deves ter ouvido, que passamos do 8 para o 80. Tal afirmação vem, com toda a certeza, da observação do quotidiano não só do comportamento dos mais pequenos com os seus pais, como também do comportamento nas escolas e entre pares. Efetivamente, temos diariamente exemplos que nos mostram que a falta de educação e de civismo corre à solta e espelha-se nas mais simples situações sem muitas vezes os pais conseguirem controlar as consequências dos atos dos seus pequenos. Isso é também uma prova que não sabemos educar para a liberdade.
Podemos trazer essas situações para esta equação porque se é grave educar sem dar voz à criança, sem respeitar os seus direitos e sem entender e dar espaço às suas emoções, também é grave educar dando asas sem limitar, educar sem balizar comportamentos, sem dar a conhecer os limites e as regras mais básicas da boa educação.
Ouço muitos vezes pais que se queixam de acabar por ceder às mais simples situações ao primeiro choro ou à primeira birra. Não come peixe porque chora, não foi à escola porque não parava de chorar, não cumprimenta nem diz obrigado porque é envergonhado, etc etc. Estas crianças talvez sejam vitimas do mau entendimento que os seus pais fazem da liberdade. Educar uma criança para ser livre é antes demais saber o valor da palavra liberdade. Não existe liberdade sem limites, não existe liberdade sem respeito e não existe liberdade sem civismo e responsabilidade.
Que seja possível educarmos crianças sobretudo com amor e que nesse amor esteja presente a intenção de prepararmos aquela criança para viver em sociedade respeitando quem a rodeia e percebendo que o seu centro não é o centro do mundo. Que seja possível educar crianças que saibam olhar para si mas também que saibam olhar para os outros. Educar é sobretudo um exercício de equilíbrio onde se misturam vários ingredientes que buscam a verdade da nossa existência no seu sentido mais poético e profundo.
Mais uma vez parabéns pela tua partilha…obrigada!
Obrigada querida Sandra pelo teu feedback aqui!
Beijinhos!!